quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

4 - KEIKO - A diferença entre entender e poder fazer

Quando falamos de intenção, de sentimentos, não estamos falando de nada que não se possa entender intelectualmente através do estudo tal como o conhecemos.



Mas, como aclaramos no capítulo anterior, dentro de nosso modelo Estudo (Shuren), implica treinamento e investigação sobre nós mesmos e sobre o meio com o qual interagimos, com um compromisso de aprender a fazer as coisas com Kokiu.

Podemos escrever e ler milhares de livros e não aprender a realizar corretamente nem uma sozinha ação.

Todos nós sabemos que a forma de aprender é trabalhando, mas como fazer corretamente?

Não é suficiente o treinamento, temos que treinar bem, com paciência e humildade.

Se nos propomos metas impossíveis, é absolutamente lógico que caiamos em depressões e abandonemos a prática.

No excelente filme Amadeus que conta a história da relação do músico mais importante da corte da Viena, Salieri (excelente músico, trabalhador, diplomático e triunfador), com Wolfang Amadeus Mozart (liberal, louco, bêbado,extremista, pobre, anti-social e principalmente: músico GENIAL).



Salieri questiona-lhe a Deus: "eu te dei tudo, minhas horas, meus esforços, minha devoção, minha confiança e minha vida, e tu só me deste o suficiente conhecimento para perceber claramente que eu nunca vou ter a genialidade de Amadeus......"

Para sofrer ante a dor que me proporciona observar com que facilidade ele produz em minutos, numa festa com álcool e prostitutas, uma criação que eu nunca poderei realizar e que para pior, arrepia minha pele de gozo ao ouvi-la.


O grande problema de Salieri era que ele ambicionava a genialidade, e sua ambição era tão grande que nem sequer lhe permitia desfrutar dos favores de uma corte Real que o valorizava como seu músico mais importante.

Sua teimosia conduziu-o da inveja à maldade e depois à loucura.

Tudo isto me faz lembrar à gente que treina Artes Marciais com a condição única de poder desenvolver os poderes supra-humanos que quase sempre estes sistemas atribuíam aos históricos criadores de cada sistema.

A seguir detalharei alguns pontos que me parecem importantes com respeito ao treinamento:

Realidade e Gratidão



Conheço a grandes maestros de artes Marciais, de origem japonesa e muitos que conheceram e treinaram com alguns dos grandes maestros do século passado, que cansaram de repetir que a pessoa que eles conheceram, não era um deus, nem tinha poderes supra-humanos.

Quase todos resgatam as condições humanas, físicas ou intelectuais destes grandes mestres, mas lhes resulta quase impossível que seus alunos deixem de mistificar ou de inventar histórias incríveis.

É como um grande efeito Salieri, adaptado aos tempos que correm, é como dizer: "eu sei que não vou poder chegar a ser como eles, por que eles eram especiais...."

É uma excelente forma de justificar a mediocridade e a falta de esforço e por outro lado um pôr-se um teto numa atividade que tenta criar pessoas livres, sem ataduras nem limites.

Se realmente gosto da atividade que eu pratico, é lógico que admire e me senta agradecido com respeito à pessoa que a criou e ao maestro que me ensina, mas daí a inventar, promover ou esperar ações supra-humanas, há uma grande diferença e uma clara indicação de falta de maturidade na personalidade.

Formalidade, tradição e respeito

A prática das Artes Marciais implica sempre, em menor ou maior grau, a aprendizagem e a utilização de um conjunto de normas sociais, para a relação entre os participantes da arte.



Estas normas costumam conhecer-se como a etiqueta no dojo (dojo = lugar de prática em japonês).

Ocorre que muita gente se opõe ao uso destas normas por diversas razões, por exemplo, no Aikido, os colegas de prática, antes de começar a trabalhar a técnica devem, ajoelhados um frente ao outro, se cumprimentar mediante uma profunda reverência.

Como habitantes acelerados de cidade que somos, muitas vezes esta formalidade nos parece vazia e sem sentido, e tentamos de evitar ela ou fazemos a desgosto, apressados e de qualquer jeito, para poder ir rapidamente ao importante.

Sem perceber que o importante já começou, e que o que começa mal, costuma continuar e terminar mal.

Aqui é importante voltar a ressaltar as virtudes do Kihon no treinamento marcial, isto é copiar o mais exatamente possível o que realiza quem me ensina ou sabe mais.

Outra regra comum no Aikido é que ao começar e ao finalizar cada aula, se cumprimenta desde a posição de joelhos, com uma reverência, em direção para um pequeno altar que há na parte frontal de cada lugar de treinamento e que contém uma fotografia do criador desta arte, Sensei (mestre) Morihei Uyeshiba.



Este comportamento costuma ser recusado por muitos praticantes ocidentais, que vêem na posição de joelhos, submissão (que é o que significa realmente em nossa cultura judeu-cristã) se esquecendo, que os usos e costumes do Aikido, estão em relação com outra cultura.

Onde estar de joelhos é tão natural como estar parado ou sentado e que a saudação não é para um ser divino, senão para alguém a quem agradecemos ter desenvolvido a arte que agora nós estamos apreendendo, ensinando ou treinando.

Muitas vezes estes mal entendidos geram-se pela própria responsabilidade do professor, quem por não saber como explicar as razões da regra cai na velha metodologia japonesa (que quando não é adaptada às normas de nossa sociedade, parece brutalidade) de dizer: "você deve fazer o que eu peço e não perguntar coisa nenhuma".

Se isto último fosse aclarado com a breve explicação de que há coisas que por mas que se entendam intelectualmente, não podem ser realizadas nem compreendidas profundamente até não ser repetidas até fazê-las parte de nós mesmos.

Se a atitude do professor fosse amável e compreensiva, poderia ser benéfica, mas normalmente não é assim, e o aluno se sente menosprezado e escravizado intelectualmente.

Esta última atitude não deixa de ser uma falta de respeito do professor para com o aluno.


Deixar o ego na porta do dojo



Vamos focar este tema desde a ótica absolutamente lógica e ocidental da segurança durante a prática.

Desde que ingressa ao lugar de prática (dojo), ficamos submersos num sistema absolutamente hierárquico baseado no conhecimento.

Qualquer acidente que ocorra entre dois praticantes, é responsabilidade do maior graduado, mas a responsabilidade deste é para o professor da classe.

Transfere a responsabilidade do professor responsável para seu mestre e seu mestre para o mestre principal da Arte.

Os códigos que regem esta transferência de responsabilidade moral são os mesmos que regem a etiqueta e formalidade na prática.

Isto é: se apegar às normas e à responsabilidade do grau, gera segurança na prática.

Vamos, agora, a estender este conceito para relacionar ele com o abandono do ego.

Suponhamos que um aluno rende um exame, sua responsabilidade direta é para com seu professor.

Isto implica que, se realiza um excelente exame, não deve se crer importante, já que deverá sentir que tudo o que ele fez, é mérito de seu professor, quem pela sua vez sentirá a mesma coisa para seu maestro e assim para atrás no tempo.

Se o exame saiu mal, não deveria se preocupar nem se culpar, já que a responsabilidade de seus erros também é transferida da mesma forma que no caso do sucesso.

Tudo isto não tira a humana sensação de pena ou alegria que nos provocam nossas ações, mas é base do treinamento na humildade e na gratidão que conformam uma das partes mais importantes na formação de um futuro professor ou mestre.


Praticar com seriedade e com alegria



O Aikido é uma arte marcial que afunda suas raízes no tempo, mas que foi sistematizado e conhecido por este nome graças a quem é conhecido como o último grande mestre japonês de Artes Marciais, Morihei Uyeshiba (1881-1969).

Ele sistematizou e deu conhecer as bases desta arte em meados do século XX, se bem o Aikido é respeitado por todos os demais sistemas Marciais, possui uma diferença fundamental em sua metodologia (não na sua base) que nasce do fato de ter sido desenvolvido diretamente como um sistema de melhoramento psicofísico e não como um sistema exclusivo para a defesa pessoal.

Este grande mestre dirigiu um centro de treinamento que era chamado "o dojo do inferno" pela exigência nas aulas e a qualidade de seus alunos (quase todos experientes artistas Marciais de outros estilos).

Parecido com a disciplina militar e a brutalidade às que nos têm acostumados os maus filmes americanos de Artes Marciais.

A exigência no Aikido é responsabilidade de cada praticante, ninguém vai ser pego dos cabelos para que continue fazendo abdominalis, mas nada impede que dois praticantes experientes, trabalhando entre eles, se auto-imponham um ritmo de prática realmente forte.

O Sensei sempre aclarou que o sentimento básico ao treinar deveria ser de alegria.

Se não se sente alegre ao praticar, alguma coisa está sendo mal feita.

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