quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

6 - IRIMI - Conhecer o problema antes de decidir o que fazer.

IRIMI - Entrar fundo sem bater

A aprendizagem

Quanto vou demorar a chegar a ser Mestre se trabalho no duro? Perguntou o jovem.



O resto de tua vida, respondeu o mestre.

Não posso esperar tanto tempo! Estou disposto a tudo para seguir seu ensino. Quanto tempo levar-me-á se trabalho como servidor seu em corpo e alma?
Oh! Tal vez dez anos!

Mas você sabe que meu pai está velho, cedo terei que cuidar dele. Quantos anos eu demorarei se trabalho mais intensamente?

Oh! Talvez trinta anos!

Você não me leva a serio! Antes dez agora trinta! Cria-me, farei tudo o que tenha que fazer para dominar esta arte no menor tempo possível.
Bem, nesse caso, terá que ficar sessenta anos comigo! Um homem que quer obter resultados tão de pressa não avança rapidamente - explicou o mestre.


Geralmente uma parte importante e decisiva dos problemas que acontecem em nossa vida vem sem que nós esperemos.

Ou no melhor dos casos, não se apresentam como os esperávamos.

É muito comum que tudo ocorra no que consideramos o pior momento possível e tudo isto é tão assim que até se desenvolveu uma completa teoria sobre estes assuntos conhecida como a Lei de Murphy e que propõe algo assim:




Se algo tem alguma possibilidade de sair mal, podemos ter um 100% de certeza que vai sair mal e no pior momento possível.

Inclusive uma versão mais rebuscada deste mesmo conceito diz que:

A probabilidade de que uma tostada com doce caia sobre um tapete com o doce para abaixo, é diretamente proporcional ao custo do tapete.

E por último num formato ainda mais simples:

Hoje lavei o carro, vai chover.

Por mas incrível e engraçado que tudo isto possa parecer, há gente que estudou o tema em profundidade e seriamente, tratando de encontrar razões, estatísticas, sociológicas, psicológicas e de comportamento.

Em realidade, e como costuma ocorrer ao tratar de analisar estes processos, a conclusão foi que não se podem estudar estes temas desde uma disciplina isolada.

Ao ser um processo analisado por nossa consciência, executado por nosso corpo e planejado por nossa mente, muitas das ações que nós mesmos executamos afetam direta e indiretamente ao meio que nos rodeia e a variação deste meio também provoca modificações sobre nossa percepção da realidade.

De qualquer jeito, o que a nos interessa é que realmente uma parte importante dos problemas com os que temos que conviver em nossa vida de todos os dias, não podem ser previstos e muito menos modelados para obter soluções do tipo: se ocorre isto, você deve fazer isto.



A vida é muito mas complexa do que queremos admitir, nos encantam as soluções fáceis a problemas complexos pela simples razão de não querer admitir que existem milhares de coisas que realizamos todos os dias de forma quase inconsciente.

Isto é, nos custa muito a nível analítico decifrar interações de muitas variáveis ao mesmo tempo, no entanto nosso "piloto automático" age com pouco ou nenhum esforço.

Um exemplo muito representativo de tudo isto é o simples fato de andar em bicicleta ou conduzir um carro.

Estas atividades não chamam a atenção de ninguém por que pelo geral, pretendemos coisas mágicas e exclusivas que nos destaquem dos demais e conduzir um carro, por exemplo, não é algo privativo de poucos indivíduos.

No entanto uma pequena análise das capacidades necessárias para conduzir um carro por uns poucos quilômetros na cidade, é suficiente para que realmente vejamos que é uma atividade incrivelmente complexa, realizada de uma forma incrivelmente simples.



A falsa simplicidade na avaliação prévia faz que as decisões e ações que tomemos para resolver nossos problemas geralmente sejam exageradas ou insuficientes.

Tudo isto tem uma explicação bastante simples, pelo menos numa primeira análise, e é que por mais que evoluímos, ainda nos comportamos a nível inconsciente com atitudes herdadas de nossos antepassados.

Perante uma situação que avaliamos como perigosa, ou que nos afete exigindo uma ação para resolver,comportamos-nos como o antigo caçador que, de repente, caminhando pelo bosque, se encontrava cara a cara com um animal selvagem, que bem poderia ser comida para ele e seu clã ou bem poderia ser quem o atacasse com as mesmas intenções do comer ou o levar como alimento para sua prole.

E leve-se em conta que esta não era uma situação exclusiva dos homens, já que uma mulher, embora não estivesse dedicada à caça, tinha muitas probabilidades se encontrar numa situação parecida, com o ônus extra de ter que defender a seus filhos e provavelmente sem possuir armas.



As possibilidades perante este encontro inesperado de problemas são dois:

A - tratar de escapar, o qual, muitas vezes não é possível.

B - atacar tratando de tomar a iniciativa.

Em cada uma destas opções existe uma quantidade quase infinita de opções de grau que são avaliadas por nossa consciência antes de atuar de alguma determinada forma.

Por meio desse cálculo de possibilidades inconsciente, determina-se que tipo de ação vá a executar.

Se o leão está a 2 quilômetros de distância e nossa gruta protegida a 10 metros, não é o mesmo que se ele está a 10 metros e nossa gruta a 10 quilômetros.

Não é o mesmo se em vez de um leão, enfrentamos a um animal de menor porte.

Avaliação da postura do animal, da direção para onde ele se está movendo, de nosso estado de ânimo e físico atual e milhares de variáveis mais.

Elas são todas, levadas em conta, comparadas com a base de dados que é nossa experiência prévia (própria e culturalmente adquirida) e a resposta automática é a conseqüência da resolução dessa equação que de alguma forma resolvemos.

A qualidade com a que escolhemos algum tipo de ação é o que determina nossa probabilidade de sucesso ou falha.

Portanto é lógico que culturalmente, temos desenvolvido métodos analisados por nosso consciente, isto é, abstraídos, filtrados, analisados e modelados com a grande capacidade analítica de nosso cérebro, para obter um manual de instruções do que convém fazer em cada caso.



Estes conhecimentos, compartilhados e aperfeiçoados de geração e geração, de experiência em experiência, e enriquecidos com esse subproduto da inteligência humana, chamado CULTURA, incorporam-se a nossa personalidade através de nossa educação e por imitação dos atos dos maiores quando somos pequenos.

Essa programação depende de cada cultura, dos meios com os que conta, do ambiente que a rodeia e dos problemas que historicamente teve que enfrentar cada grupo.

Não tinha muito sentido para um esquimó na Alaska usar franjas na frente para que a transpiração não lhe embasasse os olhos numa luta corpo a corpo.

Como não fazia sentido para um nativo do amazonas conhecer as costumes de um urso polar.

Tudo isso é perfeitamente eficiente e prático (ou seja, elevava consideravelmente a probabilidade de sucesso de quem utilizava estas técnicas) numa situação social onde a grande maioria dos indivíduos, nascia, crescia, se desenvolvia e morria num mesmo lugar físico.

Enfrentando quase os mesmos problemas e situações que seus antepassados (ou no máximo, com pequenas variações).

O grande problema é que a evolução sócio-cultural do ser humano não avança a uma velocidade constante (o que daria tempo de modificar as estratégias) senão que parece se acelerar cada vez mais.

Conseqüência da interação de cada vez mais mentes trabalhando em conjunto no mar da cultura, cada vez mais educadas e cientes do mundo e das diversas situações.

É como um grande processo retro-alimentado onde um menino de seis anos, já conhece, seja pela televisão, pelo computador, pela rádio, a leitura ou suas viagens, mas mundo, geografias, situações e gente, que as que podia conhecer durante toda sua vida (que para pior, era muito mais curta) um adulto do ano 1700.



Esse mesmo menino crescerá e compartilhará conhecimentos com outros, gerando mais meios culturais e dando passo a outro avanço desta retro-alimentação cultural que cada vez se move mais rápido.

As grandes perguntas são:

A - Tem algum limite esta aceleração evolução?

B - Nossa vida melhorou com estas mudanças?

C - Tudo o que precisamos se resolve com a aquisição de conhecimentos?

D - Nosso sistema automático de avaliação de possibilidades para resolver problemas, evolui à mesma velocidade que a cultura geral?

As respostas a estas perguntas permitem uma aproximação mais efetiva à resolução de um problema muito geral e estendido hoje em dia:

Que posso fazer para não ficar atrás nesta vida que muda cada vez mais rápido e exclui aos que não se adaptam?

Na prática do Aikido existe um movimento chamado Irimi que significa em japonês entrar e que é o primeiro que se deve fazer para realizar uma técnica.



dica: Como já se explicou anteriormente é muito difícil analisar ao Aikido isolado das Artes Marciais, como é difícil também entender a estas últimas fora do contexto da filosofia oriental e a cultura Japonesa em especial.

Na arte da escritura com caracteres, ou caligrafia japonesa conhecida como Shodo se trabalha com um pincel, tinta e um papel de arroz que faz quase impossível que o pincel se detenha uma fração de tempo sobre o papel, sem que se provoque uma mancha gigante (o papel de arroz é altamente absorvente) o que obriga a que o movimento do pincel seja fluído, contínuo e por sobretudo, seguro, desde o princípio ao fim.


O momento crucial, ao praticar esta arte, é o momento em que o pincel carregado de tinta, toma o primeiro contacto sobre o papel.

Este movimento em Shodo é conhecido como Irimi e apresenta as mesmas características de execução que o Irimi desenvolvido em todas as Artes Marciais de origem Japonesa e muito especialmente em Aikido.

Analisemos que o defensor não foge nem bate com o agressor, senão que sua resposta é um "mix" onde enquanto se desloca para adiante, evita o choque direto com seu oponente, mas aceita de bom grau o contacto (por essa razão fica perto do atacante, sem o evitar completamente).

Parece absolutamente simples, mas posso lhes assegurar que é bastante difícil de realizar quando o ataque é realizado com intenção (não de machucar, senão de atingir a cabeça do defensor, inclusive com pouca potência).

É um comentário muito comum que recebe qualquer professor de Aikido muitíssimas vezes em decorrência de suas Aulas:

Vendo-o, parece tão fácil, mas eu não consigo fazer.....

Como já detalhei antes, o cérebro processa e analisa as coisas, isso não implica que por esse entendimento (puramente intelectual) acha captado e aprendido a forma de realizar o movimento no campo da realidade, e muitas vezes, requererá um grande esforço para conseguir realizar corretamente o movimento.

Muito especialmente por que sempre sentiremos uma pequena voz vindo do mas profundo de nosso ser que nos diz:

Para que tanto esforço, se realmente isto é uma tolice que eu entendi desde a primeira visão que tive dela?

Começamos a introduzir-nos num dos princípios gerais muito falados e pouco compreendidos das Artes Marciais:



O inimigo real não existe, nosso maior aliado ou inimigo está dentro de nós mesmos.

Note-se como a maior dificuldade neste simples exercício é a de poder deixar de lado a voz de nossa consciência que nos incita a abandonar e poder continuar treinando até que possamos desenvolver o exercício, não só o entender, senão poder fazer ele.

Aqui aparece, outra das grandes causas, que fazem que o sistema de educação através das Artes Marciais seja excelente para o aperfeiçoamento de nossa personalidade e do manejo das emoções.

Não se considera algo aprendido, só por entendê-lo ou poder explicá-lo.

Considera-se aprendido somente quando podemos faze-lho, e se considera totalmente aprendido quando sejamos capazes de executar ele em qualquer condição, sobre qualquer terreno e contra qualquer oponente (seja este físico, mental, social, sentimental ou espiritual).

Para fechar o conceito de Irimi, gostaria muito estender do conceito, explicado até agora dentro do terreno do Aikido, a outras situações.

Existe um atacante que tenta golpear a cabeça de um defensor que executará o Irimi.

Este atacante pode ser nosso chefe no trabalho e o golpe pode ser um pedido de mas trabalho e/ou uma redução de salário.

O atacante também pode ser um funcionário baixo nossa responsabilidade que decide vender informação de nossa empresa para a concorrência.

O atacante pode ser um de dois cônjuges que chega à casa de mau humor e o ataque pode ser: Não me importa o que aconteceu na casa, estou de muito mau humor, tive num dia horrível no trabalho e não quero que me incomodem.

O atacante pode ser um delinqüente real que nos espera numa esquina para nos golpear e poder nos roubar.

O atacante pode ser um companheiro de estudos de nosso filho, que decide o incomodar durante todo o dia, todos os dias.

O atacante pode ser uma doença.



Não importa qual seja a situação, podemos (e devemos) extrapolar, a simples lição do laboratório de Aikido à vida diária e suas circunstâncias, é aí onde o conhecimento adquirido mediante o treinamento, terá sua razão de ser.



Por isso falamos de Budo = educação através das Artes Marciais e não de uma luta de rua nem de um estilo de conselhos de auto-ajuda.

As perguntas, antes citadas como grandes dilemas, podem ter uma resposta intuitiva baseadas na aplicação na vida de todos os dias dos princípios que estamos a estudar.

Agora, leve em conta, que é muito provável que as respostas que você encontre, sejam válidas somente para você e não possam ser generalizadas para satisfazer buscas de outras pessoas.

Não estudamos uma ciência exata, estudamos gente, sentimentos, emoções e níveis ocultos de consciência, advirto desde já que este é um caminho para percorrer absolutamente sozinho, além que ele nos ajude para melhorar todas nossas relações trabalhistas, sociais e familiares.

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